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Por Valério Fabris

Entre as vantagens da revisão do Plano Diretor na capital paulista, espera-se que não haja zonas mortas nas partes térreas das fileiras de prédios, com muros e grades isolando os edifícios das calçadas

O manifesto Abrasel prega que as cidades brasileiras, principalmente as grandes metrópoles como São Paulo, tenham fachadas ativas, com prédios mistos e que se tornem cidades mais compactas, onde os habitantes tenham mais praticidade na locomoção. Foto: Wikipedia Commons

Ao longo do tempo, há um processo natural de transformações, dentro do organismo urbano, que precisa ser ajustado nos seus Planos Estratégicos de Desenvolvimento (PED). A legislação nacional impõe que, no prazo de até dez anos, todos os planos urbanos sejam readequados a essas inevitáveis mutações.

O presidente da Abrasel considera que, no âmbito legislativo, esse ajuste à realidade atual “foi muito bem conduzido”, preservando-se as diretrizes do atual PED de São Paulo, em vigor desde 2014.

No dia 27 de junho, em votação definitiva, foi aprovada na Câmara Municipal, por 44 votos a 11, a revisão do Plano Diretor de São Paulo. A seguir, o texto foi enviado à sanção do prefeito Ricardo Nunes (PMDB). A questão principal, resolvida durante a tramitação do PED paulistano, foi o alargamento das atuais áreas abertas à construção de edifícios, nas margens das linhas de metrô e dos corredores de ônibus.

Ao final do longo processo legislativo, que se estendeu durante um mês e meio, Paulo Solmucci apontou os seguintes aspectos como os que, na sua opinião, foram os de maior impacto e relevância no texto final:

1) No processo de revisão, mantiveram-se intactas as diretrizes do Plano de Desenvolvimento Estratégico que entrou em vigor há nove anos, em 2014.
2) O objetivo, agora, é impulsionar ainda mais o crescimento da cidade nos territórios adjacentes aos já implantados eixos estruturais de transporte, fazendo com que a habitação e toda uma gama de serviços em áreas floresçam nas regiões da cidade em que haja uma base de mobilidade urbana já consolidada;
3) Não importa a altura dos prédios; o que importa é que esses prédios dialoguem com calçadas largas, por meio de fachadas ativas;
4) Que, como consequência natural das fachadas ativas, não haja zonas mortas nas partes térreas das fileiras de prédios, com muros e grades isolando os edifícios das calçadas;
5) Que haja, em vários dos muitos prédios novos a serem erguidos nas áreas dos eixos estruturais de transporte, a mescla de famílias de diferentes níveis de renda, em um processo de inclusão socioeconômica.

Sobre cada um desses tópicos, ele assim detalhou:

O respeito à arquitetura do plano de 2014

“Isso foi muito importante no processo de revisão: não descaracterizar o Plano Diretor que está em vigência desde 2014. O objetivo foi adequá-lo às mudanças ocorridas em toda e qualquer cidade, do Brasil e do mundo, e em um período no qual passamos pela crise sanitária e econômica da pandemia."

"Houve profundas mudanças comportamentais, e isso a gente vê no trabalho home office e no presencial. O Plano Diretor de 2014 tem qualidades muito reconhecidas; recebeu até prêmio da ONU.”

Fachadas ativas: fermento da cidade viva

“O estímulo para que os térreos dos edifícios, predominantemente residenciais, sejam dotados de fachadas ativas, com largas calçadas, é um dos mais destacáveis atributos altamente positivos do Plano Diretor de São Paulo. As lojas, a lotérica, o cabeleireiro, a academia de ginástica, a sorveteria, o café e o restaurante que funcionam na fachada ativa dinamizam as calçadas, o passeio público."

"Isso tudo pacifica o ambiente, melhora a segurança local, a segurança do ponto de ônibus. As fachadas ativas são espaços convidativos. São conexões entre os edifícios e a vida urbana. Nas suas áreas térreas, essa sucessão de prédios com fachadas ativas extensamente promove o uso misto, mantém a cidade saudavelmente viva.”

Não importa a altura do edifício; importa que dialogue com a calçada

“Não importa a ninguém, sequer a qualquer urbanista, se o prédio tem quatro ou cinco andares ou se é um arranha-céu. O que importa aos urbanistas e a qualquer pessoa é se o prédio dialoga com a calçadas. As fachadas ativas acabam com as zonas mortas da cidade, que são os prédios sem nada no térreo."

"Esses aí são aqueles prédios que geralmente têm muros, tornando-se zonas mortas, áreas desérticas que criam oportunidades para os marginais. As fachadas ativas, ao contrário disso, criam vitalidade e iluminam anda mais as calçadas.”

Nos eixos estruturais, estímulo para vizinhanças com vários níveis de renda

"Outro aspecto altamente positivo da revisão do Plano Diretor – uma revisão que dá ainda mais ênfase à qualidade de um excelente Plano, que passou a vigorar em 2014 – é o adensamento com inclusão. O vereador Rodrigo Goulart, que fez um magnífico trabalho de arrefecimento dos ânimos, em sua função de relator da revisão do Plano Diretor, chamou a atenção para o aspecto inclusivo, no texto que foi aprovado por seus pares."

"A empresa construtora poderá elevar o seu coeficiente de aproveitamento do prédio se incluir na edificação apartamentos voltados ao público de baixa renda. O que se quer com esse estímulo, além de propiciar uma moradia de qualidade às famílias de baixa renda, é aproximar as pessoas mais pobres dos geradores de renda e emprego.”

Adensamento dos eixos estruturais: a criativa solução para se compactar a magacidade que já cumpriu seu histórico de espalhamento

Uma das premissas fundamentais dos urbanistas é a de que o sistema viário acaba inevitavelmente sendo indutor do crescimento das cidades, tanto no sentido da “cidade espalhada” quanto no sentido da “cidade compacta”. Na “cidade espalhada”, como é o caso de São Paulo e da maioria das grandes e médias cidades brasileiras, mora-se em um lugar, trabalha-se em outro lugar, estuda-se em outro, diverte-se em outro.

Se o sistema viário sempre foi mal usado, facilitando e tornando irreversível o espraiamento, São Paulo acabou articulando, no seu Plano Diretor de 2014, um jeito, sem precedente no urbanismo, de começar a reverter um processo que aparentemente se tornou irreversível, em razão de o caos na ocupação espacial já estar consolidado.

Criou-se um jeito novo de se adensar o que está espalhado. Isso vem sendo feito com o adensamento ao longo dos eixos estruturais de transportes de uma cidade que é o centro da quarta maior megalópole do mundo.

Por essa genial fórmula de se mitigar a pulverização urbana, a cidade recebeu um prêmio da ONU em janeiro de 2017. O que se busca com o Plano Diretor é a verticalização imobiliária na geografia lateral aos eixos de transporte.

Isso para que, na mesma vizinhança, se tenha a moradia, a escola, o comércio lojista, os escritórios, as calçadas largas e caminháveis, a ampla disponibilidade de transporte público. Os mais de 12 milhões de habitantes de São Paulo espraiam-se em uma geografia de 1,5 mil quilômetros quadrados. É uma cidade ultrapulverizada.

Dizia em fevereiro de 2021, em um debate online, promovido pelo Insper, o atual ministro da Fazenda, ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad: “O município de São Paulo já tem 900
mil quilômetros de mancha urbana. Como é que se compacta uma cidade que já está espalhada?” Dessa pergunta nasceu a grande resposta oferecida pelo Plano Diretor de 2014. “Compacta-se onde já se tem infraestrutura. Temos que melhorar a proximidade”, completou Haddad.

Ele usa a palavra “proximidade” no conceito espacial e temporal. O morador de uma adensada margem do eixo de transporte terá na vizinhança de sua casa as oportunidades de trabalho, o consultório médico, a escola, o comércio, o restaurante. Mas o trabalhador geralmente mora em uma área distante.

Nos eixos estruturais que agora são objeto da verticalização de prédios, e até mesmo de arranha-céus, tem à sua disposição o transporte público de alta frequência. Detalha Haddad: Se esse trabalhador mora longe, tem ao seu dispor o metrô. “A proximidade se dá espacialmente, e também se dá temporalmente. Com o metrô na porta, chega-se ao destino rapidamente.”

A ampliação da área edificável reduz o custo do terreno e do apartamento

Para se adensar com mais velocidade e intensidade a quantidade de novos residentes nas margens dos Eixos de Estruturação Urbana, ampliou-se, na revisão do Plano Diretor de 2014, o espaço geográfico em que se pode erguer prédios. No texto original de 2014, podiam ser erguidos prédios no raio de 600 metros, medido a partir das estações de metrô. Esse raio foi estendido para 700 metros.

A partir dos corredores de ônibus, a extensão em que os edifícios poderiam ser construídos era de 300 metros. O raio foi ampliado para 450 metros. O pressuposto para se alargar o espaço aberto aos novos prédios é o de que, com o aumento da oferta de área edificável, se reduzirão os preços dos terrenos em relação aos preços que são praticados desde 2014.

Além desse estímulo à construção e, portanto, ao adensamento, conferiu-se às empresas imobiliárias mais uma vantagem. No plano original, poderia ser erguido um prédio com a área construída equivalente a seis vezes o tamanho do terreno. De um terreno de 100 metros, por exemplo, originalmente podia ser construído um prédio residencial de 12 pavimentos de 50 metros.

Com a revisão, nos mesmos 100 metros pode agora ser construído um prédio nove vezes o tamanho do terreno. No terreno de 100 metros, poderá nascer um prédio com 12 pavimentos de 75 metros.

No âmago da revisão do Plano Diretor, referente às margens dos Eixos de Estruturação Urbana, estão a ampliação da oferta de terrenos (e consequentemente a diminuição do preço da área adquirida) e a possibilidade de o construtor aproveitar ainda mais a área que comprou – ou seja, ampliando-se o “coeficiente de aproveitamento”.

Os opositores (integrantes dos movimentos sociais e vereadores ativistas) desse capítulo da revisão do Plano Diretor alegavam que os proponentes da ampliação de área e do aumento do coeficiente construtivo se entregaram aos interesses dos empresários do setor imobiliário.

Vereador Rodrigo Goulart (PSD) relator do projeto de revisão do plano diretor estratégico (PED) de SP

Acusavam o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e todos os que apoiavam o texto da revisão do Plano Diretor Estratégico (PED) de São Paulo de estarem atuando a favor das incorporadoras. O que haveria por trás de todos os ajustes no PED seriam os lobistas do mercado imobiliário.

Até mesmo o vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator do projeto de revisão do Plano, era acusado por políticos oposicionistas e lideranças de organizações sociais de estar em conluio com o setor da construção civil.

Ele ajustou no texto tudo o que seria ajustável, conciliando em pontos que não afetavam a essencialidade da proposta original vinda do prefeito Ricardo Nunes. As questões mais importantes permaneceram intactamente preservadas. Evidenciou-se, assim, que as acusações em relação ao setor imobiliário não procediam. Em tempo integral, o relator conversou abertamente com todo mundo.

O resultado surpreendeu muita gente, mas não o surpreendeu. Dia 26 de junho: projeto de revisão a favor e 11 contrários. Entre os vereadores do PT, por exemplo, oito votaram a favor e só três votaram contra. Uma estupenda vitória do Plano Diretor Estratégico de 2014; uma estupenda vitória da cidade de São Paulo.

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