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Aceleração tecnológica é crucial, mas não pode-se do lado humano: a humanização é essencial para equilibrar eficiência e relações

Por Valério Fabris

“A nossa principal característica é o atendimento vivamente pessoal. Portanto, estamos na vanguarda do marketing de humano para humano", diz Paulo Solmucci, presidente da Abrasel. Foto: Freepik

A cada vez mais intensa aceleração tecnológica é inevitável e necessária. As sociedades só conseguem se estabilizar com um continuado aumento da produtividade, fazendo-se mais com menos tempo, com menos recursos naturais e custos financeiros. É o que afirma o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci. Ele concorda com o ponto de vista de que, além da aceleração tecnológica, há um outro lado da questão.

É esse, também, o ponto de vista que se extrai das opiniões dos que leram H2H marketing: the genesis of human-to-human marketing. A obra de Philip Kotler – com a coautoria dos alemães Waldemar Pfoertsch e Uwe Sponholz – foi internacionalmente lançada em dezembro de 2020. Ainda não se editou no Brasil. O propósito central do livro é revisitar a maneira como todos pensam o marketing.

Isso porque, concomitantemente às mudanças tecnológicas, o comportamento das pessoas também está mudando. É preciso, do ponto de vista dos autores, que as empresas assumam
o protagonismo de intensificar e promover na sociedade os elos humanos.

Isso significa ter uma comunicação direta, viva-voz, com os clientes, os fornecedores e os representantes das instituições de interesse público. Essa âncora é semelhante ao teor do “Manifesto de Davos 2020”, no qual se convocou a iniciada privada para realizar a troca do capitalismo de acionistas pelo capitalismo das partes interessadas.

Agora, na mesma direção, a atitude de maior relevância é a de que funcionários e dirigentes das empresas tenham uma interação mais próxima, face a face, entre as pessoas que as representam e os seus respectivos clientes, fornecedores e líderes comunitários.

A tecnologia é ótima, mas depende de como você a usa

O ponto crítico a motivar o “H2H” é que o tecido social está se esgarçando em todo o planeta. Isso não é resultado, como superficialmente se poderia imaginar, dos grandes avanços tecnológicos em escala global.

O que vem ocorrendo é o enfraquecimento dos espaços de convivência social. A consequência do declínio da convivência comunitária tem redundado em uma escalada da alienação, com as pessoas se desconectando do mundo e se ensimesmando em núcleos fechados.

O que se antevê é que a comunicação amplamente humanizada estimulará as pessoas para que coloquem os espaços de convivência em suas rotinas de encontros entre amigos e conhecidos. Vários cientistas e pesquisadores do mundo acadêmico têm apontado a imediata necessidade de as empresas humanamente se abrirem às pessoas e à sociedade. Para as empresas, os efeitos colaterais da humanização do marketing serão a ampliação e fidelização dos clientes.

Desde a era das tabernas, bares e restaurantes são "H2H"

Paulo Solmucci diz, a propósito, que “o setor da alimentação fora do lar é uma referência global para esse reposicionamento do marketing”. Os primeiros estabelecimentos remontam
ao início da Idade Média, no ano 476 d.C. Os viajantes já faziam suas refeições nas tabernas. Os restaurantes, com uma lógica de funcionamento tal como a conhecemos hoje, começaram a surgir com o fim da Revolução Francesa, portanto de 1799 em diante.

“A nossa principal característica é o atendimento vivamente pessoal. Portanto, estamos na vanguarda do marketing de humano para humano. Isso está na alma da Abrasel. A cada ano, realizamos 15 encontros nacionais e regionais, todos presenciais, ainda que, adicionalmente, tenhamos a transmissão online como alternativa aos que não puderem comparecer pessoalmente”, prossegue ele.

Acompanhar os rápidos passos da aceleração tecnológica é, a seu ver, imprescindível à consecução do objetivo de levar o efetivo apoio e a imprescindível orientação da Abrasel para os estabelecimentos localizados nas bases geográficas das suas 27 seccionais, 29 regionais e mais os seis núcleos recém-abertos.

“Há uma diária e permanente interlocução pessoal, seja nos eventos nacionais presenciais, seja na diária comunicação instantânea com todos os nossos elos nacionais, aí por meio da nossa plataforma tecnológica e das conversas telefônicas. Muito antes de o livro H2H marketing ter sido lançado, já atuávamos no posicionamento nele apregoado, ainda que usando as siglas anteriores à que se propaga no livro.”

Ninguém quer internet lenta, nem um lerdo combate ao incêndio

Emergiu a premência do “human to human” (de humano para humano) com vistas a ajustar o marketing das empresas, organizações civis e instituições públicas. Por que aconteceu tão acentuado declínio da arte cívica da conversa? A conclusão, nas últimas páginas do livro H2H marketing, é de que não foi a aceleração tecnológica, mas, sim, a fuga de largas parcelas das populações, que saíram do convívio social para se grudarem nas telas.

O mais destacado crítico internacional dos espraiados desenlaces que ocorreram nas sociedades mundiais é o renomado sociólogo e cientista político alemão Hartmut Rosa. Declaradamente a favor da aceleração tecnológica, ele é, no entanto, persistente crítico do esvaziamento nas relações dos indivíduos com o mundo. Tem reiteradamente dito que ninguém quer uma internet lenta. Mas, por outro lado, também não quer uma brigada de combate ao incêndio que seja lerda.

Nesta figurativa brigada contra incêndio estão as pessoas esclarecidas que combatem o fogo provocado pelos alienados. As pessoas tornaram-se alienadas ao se ensimesmarem nas diversas telas, sobretudo nas destes microcomputadores portáteis que cabem no bolso: os celulares. Metamorfosearam-se em alienados aqueles que se encaramujaram nas telas, um fenômeno que começou a surgir na década de 1990 e exponencialmente se inclinou para cima a partir da pandemia de covid-19.

Alienação: fechamento em si mesmo; ressonância: abertura ao mundo

De antes para depois da pandemia, o aumento do uso de aparelhos celulares foi de 70% a 80% em todos os países pesquisados pela Research Square Company, entre eles a Austrália, Espanha, Itália, Portugal, Canadá, Índia. A empresa de pesquisa pertence a um dos maiores grupos editoriais científicos do mundo, a Springer Nature, globalmente sediada em
Londres. A editora do livro H2H marketing é, aliás, a Springer Nature.

O oposto à alienação é a ressonância, conceituou Hartmut Rosa. Enquanto a alienação é um fechamento em si mesmo, apartando-se do mundo, o termo ressonância refere-se a uma abertura ao mundo: a necessidade das conversas com os outros, a atenção que se dedica à música, às artes, à natureza, às piadas, aos colegas de escola e de trabalho, à espiritualidade. Os cafés, bistrôs, botecos, bares e restaurantes são ambientes que estimulam a ressonância.

Exemplo de espaços vocacionados à ressonância: os estabelecimentos da alimentação fora do lar

Os cafés, por exemplo, são lugares de ressonância. Na Europa, eles tornaram-se, nas últimas décadas, os locais de encontro mais frequentes, tanto os encontros de trabalho quanto os de convívio social. São espaços de forte socialização e de partilha de pensamentos. A ressonância resulta de uma abertura para a vida, dialogando-se com o livro que se lê, com a pintura que se vê, com a música que se ouve.

O equilíbrio social, ambiental e econômico será consequência do equilíbrio entre a aceleração tecnológica e a ressonância

A falta de uma permanente adesão aos avanços da tecnologia digital asfixiará quaisquer empresas e organizações. Elas só conseguem sobreviver nos seus respectivos mercados quando, incessantemente, respiram os novos ares da produtividade deste século XXI. Porém, por si só, os ares da produtividade podem ser insuficientes. É preciso cuidar, também, da
oxigenação ambiental e social do planeta, sem a qual se extinguem as empresas e as organizações.

Essa é, em síntese, a mensagem do livro H2H marketing: the genesis of human-to-human marketing,de Philip Kotler e mais dois coautores, os professores alemães Waldemar Pfoertsch e Uwe Sponholz. Eles redefinem o papel do marketing, reorientando-o para a difusão de uma nova mentalidade.

Faz-se uma atualização do marketing, sem que haja qualquer negação aos conceitos difundidos nos cerca de 70 livros que Philip Kotler publicou desde 1967. Naquele ano, ele lançou sua primeira obra, Administração de marketing, que continua sendo destacada referência global.

De nada vale a produtividade do homem sobre a Terra se o planeta agoniza, as civilizações se desfazem na extrema miséria e pobreza, na ausência ou precariedade educacional, violência, contínua agressão à natureza, nas bipolarizações extremistas.

Sem o enlace entre o digital e o físico (o tecnológico e o humano) não há salvação. É preciso que haja uma simbiose entre esses dois fatores, o pessoal (“physical”) e o digital. A junção deles resulta, em inglês, no “phydigital”.

O fator tecnologia com o mesmo peso do fator humano

O fator tecnologia precisa estar aí do jeito que vem vindo, aceleradamente. O que tem faltado ao fator humano é que a ele se dê o mesmo grau de prioridade e celeridade. Como se apregoa no Marketing H2H, é preciso que os muitos que, com entusiasmo, abraçam a tecnologia confiram o mesmo valor às relações humanas.

Se assim não for, como se adverte no livro, não se conseguirá mitigar os efeitos da aceleração tecnológica. Na obra, diz-se que, pela primeira vez em uma revolução industrial, não se criarão tantos empregos quanto os que serão perdidos.

Há cientistas das áreas sociais e exatas que vêm apontando a necessidade de se equilibrar o grau de importância à inclusão humana com a velocidade das inovações tecnológicas. Um dos mais ativos entre eles é o sociólogo e cientista político alemão Hartmut Rosa. Ele já reiterou que o xis da questão não está na aceleração tecnológica, porque ninguém quer internet lenta, assim como também não quer uma brigada de combate ao incêndio que seja lerda.

Como equalizar o mesmo peso que se confere à aceleração tecnológica com a prioridade à humanização das relações interpessoais? Esse é o lado escasso da equação. Faltam às sociedades da grande maioria dos países pessoas que sejam estimuladas a criar ou a frequentar os ambientes de “ressonância”. Quer dizer, aqueles dos encontros face a face, ao vivo e em cores.

A falta de diálogo face a face e a dependência das telas produzem aversão ao telefone, ansiedade e insegurança

O setor de saúde já vem se sobrecarregando em decorrência dos crescentes casos de alienação, casos esses em que a pessoas se apartam do mundo real, da vida cotidiana. A alienação é, portanto, o contrário da ressonância (a interação da pessoa com o mundo). A alienação é um isolamento do indivíduo, que se leva ou é levado ao confinamento no digital. Então, identifica-se a fobia, a instintiva aversão à conversa por telefone.

“Falar ao telefone pode ser desagradável e constrangedor para quem ficou limitado aos sons naturais de sua própria voz. Essas pessoas (principalmente jovens) tornam-se inseguras, ansiosas, por falta de contatos mais próximos”, diz a doutora Ilham Sebah, que é psicóloga. Ela tem experiência no desenvolvimento de intervenções que reduzem o estresse e aumentam o bem-estar dos jovens pacientes.

Ilham trabalha na Resilience School, de Londres. Ela tem um receituário terapêutico com vistas à superação da “telefonofobia”. Afirma que a “terapia cognitivo-comportamental é um tratamento muito eficaz para a ansiedade social”.

E informa que existe uma opção online para os que “se sentem nervosos quando falam com alguém pessoalmente”. A falta de conexões humanas, por meio das conversas frente a frente (quando se está à mesa) ou lado a lado (quando se está caminhando), leva o ser humano à alienação, ao redundantemente se autossegregar em si mesmo.

Nada há de genial na criatividade; ela revela a interação com o mundo; vem da capacidade de se conectar ao que se vê, ao que se sente

A criatividade vem das conexões humanas, diversas vezes reiterou Steve Jobs, o carismático, genial e visionário da Apple, que se tornou empresa líder mundial em telecomunicações. É essa generalizada lacuna criativa do humano para o humano que se radiografou no livro de Philip Kotler, com a coautoria de Waldemar Pfoertsch e Uwe Sponholz.

Steve Jobs dizia que encontrava, no próprio setor em que atuava, gente sem criatividade, isso por falta da vivência nas conectividades humanas. Assim descreveu – não é demais repetir – o ambicioso, motivado, enérgico e criativo empreendedor da Apple:

“Quando você pergunta às pessoas criativas como elas fizeram algo, elas se sentem um pouco culpadas porque, na verdade, não fizeram nada. Apenas viram algo. Depois de um tempo, isso lhes pareceu óbvio. Simplesmente porque elas conseguiram conectar as experiências que tiveram, sintetizando-as em coisas novas. A razão pela qual foram capazes de fazer isso é que tiveram mais experiências – ou pensaram mais sobre suas experiências – do que outras pessoas. Infelizmente, isso é uma mercadoria muito rara. Muitas pessoas em nosso setor não tiveram experiências muito diversificadas. Assim, elas não têm pontos suficientes para conectar. E acabam chegando a soluções muito lineares, sem uma visão ampla do
problema. Quanto mais ampla for a compreensão da experiência humana, melhor design teremos.”

A essa capacidade de se articular com o mundo, abrindo-se a ele, é que o sociólogo e cientista social Hartmut Rosa denomina de ressonância. Esse é um conceito endossado por Philip Kotler e pelos coautores do livro H2H marketing, Waldemar Pfoertsch e Uwe Sponholz.

Steve Jobs foi profunda e largamente ressonante. O que está em questão não é desacelerar
a tecnologia. É, como o exortam os autores do H2H marketing, resgatar as interações humanas, costurando-se as linhas das conexões sociais.

Comunicação clara: sem siglas, jargões, estrangeirismos

No conceito da ressonância, tanto a relação da empresa entre si, quanto a relação das empresas com os clientes, deixam de ser B2B (“business to business”) e B2C (“business to customer”). Passam tão-somente a ser H2H.

Isso porque os falantes da parte do “negócio” e os falantes da parte do “cliente” são igualmente “humans”, seres humanos. Todos os que até agora eram identificados por “B” ou “C” não são entidades impessoais; são pessoas com motivações, percepções de risco, preferências, certezas e dúvidas.

Nessa nova atmosfera de relacionamento, cultiva-se um senso de familiaridade. O que predomina é a escuta, a empatia. A empresa que assim procede passa a ter uma identidade, um rosto, uma voz. A comunicação deve ser simples, clara e em tom de proximidade, desprovida de neologismos, estrangeirismos, siglas e jargões corporativos.

A qualidade da comunicação passa a ser muito mais relevante do que a frequência. Assim, dizemos adeus a um mundo diariamente inundado por seguidas ondas de milhares de mensagens. E nos livramos também do irritante assédio de robotizados call-centers.

O fato de na tela se ver o tique azulzinho indicando que o cliente recebeu a mensagem torna-se coisa de um passado carregado de bolor. A comunicação só existe se houver diálogo escrito ou, preferencialmente, vocalizado.

O marketing humano contribui para a melhoria do marketing. A humanização das relações tem de ser cada vez mais essencial e diferenciadora. É assim que, doravante, a ressonância no trabalho e na vida seguirá seu curso, lado a lado com a aceleração tecnológica.

Com o declínio dos governos, as empresas têm de ser âncoras de confiança

A olhos nus, sem o auxílio de binóculos, já se veem na paisagem de um futuro não muito distante os ônibus e os caminhões de condução autônoma. Veem-se, ainda, robôs movimentando-se nas calçadas e, nos seus percursos, desviando-se dos pedestres que estão à frente ou que andam em sentido contrário.

Como se apregoa no livro H2H marketing, as empresas devem assumir uma função de âncora de confiança para que as sociedades se equilibrem em tal cenário futurístico.

Neste particular, constata-se que Philip Kotler, junto com os coautores Waldemar Pfoertsch e Uwe Sponholz, seguem a linha do “Manifesto Davos 2020”, lastreador temático do Fórum Econômico Mundial, realizado entre 21 e 24 de janeiro daquele ano.

Quando as empresas passam a ser vistas como âncoras da confiança social, significa que o “capitalismo de acionistas” (“shareholders capitalism”) cedeu lugar ao “capitalismo das partes interessadas” (“stakeholders capitalismo”).

Isso também demonstra que passou a haver estreita interação das empresas com o universo de pessoas ao se redor. Quer dizer, efetivou-se a inserção das empresas no tecido social, em uma conexão com todos os fios: clientes, fornecedores, líderes comunitários, instituições de interesse público e organizações não governamentais.

À medida em que se enfraquecem as instâncias políticas, as empresas passam a ser demandadas ao engajamento nas causas de uma sociedade mais humana. Assim, atuam em favor dos espaços de ressonância, como o dos bares, cafés, restaurantes, praças e parques e ruas vivamente coloridas pela ressoante sociodiversidade.

Uma das empresas citadas no livro H2H marketing como exemplos das que se tornaram âncoras de confiança para a sociedade é a Fujifilm, com sede em Tóquio e bases operacionais em 25 países. Seja no Japão, na Índia, em Portugal e em qualquer nação, a Fujifilm atua conforme o que se recomenda no Manifesto de Davos e no H2H marketing.

Sem que as empresas tenham uma atuação dessa ordem, o que se antevê, no livro, é o agravamento dos recorrentes problemas mundiais relativos à persistente pobreza, à desigualdade de renda e à danosa exploração do meio ambiente.

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