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Presidente da ANR aposta no fortalecimento da parceria com a Abrasel para elevar a competitividade de bares e restaurantes

Salvador e Brasília, na noite do dia 15 de agosto, pareciam ser a mesma cidade para Cristiano Melles. Na capital baiana, onde recém desembarcara vindo de São Paulo, o empresário trataria dos últimos detalhes para a abertura da décima unidade do seu restaurante, o Pobre Juan. Entre uma conversa e outra, acompanhava como podia o encerramento do 25º Congresso Nacional da Abrasel, em Brasília, onde as principais bandeiras do setor foram levantadas. A situação não chega a ser novidade para o administrador de 36 anos. Antes mesmo de ter assumido, em julho, a presidência da Associação Nacional de Restaurantes (ANR), Melles já era conhecido por defender a categoria com o mesmo empenho com que ampliava os seus negócios.


Melles tem o que comemorar em relação ao seu restaurante, que foca no segmento de carnes nobres. O paulistano Pobre Juan, nos últimos dois anos, se transformou em uma grande rede, com abertura de casas em cidades como Rio de Janeiro, Campinas e Recife. Os bons resultados, no entanto, não traduzem o momento difícil que, segundo o empresário, o setor passa. Melles lista uma série de problemas, como a inflação de insumos e aluguéis, que aumenta a pressão dos custos; o excesso de tributação, que corrói cerca de 40% de todo o faturamento das empresas; e a falta de representatividade nas esferas políticas. “Somos um setor feito de pequenos e médios empresários, que emprega mais de seis milhões de pessoas e que não está sendo ouvido da maneira que deve ser”, ressalta.


Para contornar os obstáculos, Melles quer manter a união com outras entidades que representam o setor, principalmente a Abrasel, presidida por Paulo Solmucci Junior, com quem ele afirma falar quase que diariamente. As conversas serviram, por exemplo, para acertar o apoio da ANR às propostas apresentadas pela Abrasel no evento em Brasília. Entre elas, a criação de uma frente parlamentar para debater no Congresso Nacional medidas de apoio ao setor. A frente ajudará, por exemplo, em uma regulamentação da gorjeta mais justa, com possibilidade de se descontar em seu valor parte dos encargos sociais cobrados pelo governo.


Em entrevista concedida à revista Bares e Restaurantes, Melles falou dessa parceria com a Abrasel e dos desafios dos bares e restaurantes nos próximos anos. Ele se mostrou otimista, mesmo com o cenário ainda distante do que entende por ideal. “Nosso setor cresce mesmo nos momentos de crise econômica. Mas é preciso crescer com mais saúde”.

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B&R - Por que decidiu encabeçar uma chapa na ANR? Ficou surpreso com o convite para conduzir a entidade pelos próximos dois anos?

Cristiano Melles - Na verdade, não houve uma disputa, mas uma convocação. Fui convidado a exercer o papel de presidente com o objetivo de conduzir o setor nesses novos desafios. Tenho 36 anos e acho que fui escolhido, também, por ser jovem. Acredito que quiseram colocar um pouco de juventude nesse processo.


B&R – Pretende atuar de forma conjunta com outras entidades do setor de bares e restaurantes?


Cristiano Melles – Claro. Sempre defendi uma atuação mais forte da ANR em Brasília, além de uma aproximação maior da entidade com outras associações, sobretudo com a Abrasel. Realizar trabalhos em conjunto sempre foi uma bandeira no colegiado da ANR, até porque entendo que temos de nos unir diante desse momento um tanto difícil que o setor está vivendo.


O que venho discutindo com o Paulo [Solmucci Júnior, presidente executivo da Abrasel] é conseguirmos dar uma sustentação econômica aos novos empreendedores e àqueles que já estão atuando no setor, porque hoje a situação é caótica. Precisamos dar uma melhor condição de trabalho aos nossos colegas. Nesse sentido, estamos muito alinhados, pensando em uma pauta conjunta.


B&R – O senhor falou em dificuldades enfrentadas pelo setor. Quais as mais preocupantes no momento?


Cristiano Melles - São várias. A massa salarial dos empregados de bares e restaurantes aumentou muito rápido. Há uma pesquisa da Abrasel que mostra que o dissídio foi de 29,5%, enquanto a reposição salarial nos últimos quatro anos foi de 45%. A inflação dos insumos de alimentos e bebidas foi muito maior do que a registrada na cesta geral do Índice de Preços ao Consumidor, o IPCA. O aluguel, por sua vez, aumentou 90,9% no período. Então, o que se vê é que enfrentamos uma pressão por custo muito alta. A situação ainda se agrava com a queda no movimento, derivada do aumento da inflação, que corrói a renda disponível dos brasileiros. Além disso, também vivenciamos a própria lei seca que, querendo ou não, afastou parte da clientela, e os problemas de violência urbana. Em São Paulo, particularmente, ainda sofremos com os arrastões.


B&R - E como ambas as entidades estão se organizando para contornar esses problemas?


Cristiano Melles - Converso muito com o Paulo, que acaba de organizar um congresso em Brasília. Essa ação foi muito importante para mostrar ao grande público o que nós temos enfrentado. Também tivemos um panelaço lá na capital, para chamar a atenção do grande público as nossas dificuldades. Somos um setor feito de pequenos e médios empresários, que emprega mais de seis milhões de pessoas e que não está sendo ouvido da maneira que deve ser.


B&R - Nesse momento, quais são as principais bandeiras defendidas pela ANR?


Cristiano Melles - Uma pauta em que estamos muito empenhados é a desoneração da folha de pagamento. Queremos inserir os bares e restaurantes no programa Brasil Maior, do Governo Federal, que contempla a desoneração de 48 setores, inclusive, o da hotelaria. Por meio dele, ao invés de você recolher o INSS da folha, você paga por um percentual do faturamento. No nosso caso, nós estamos pleiteando 1% ou 2%. É uma medida que vai ajudar a abaixar essa pressão de custos gigantesca que temos. Então, você recolhe o INSS patronal por um percentual que desonere toda a cadeia. Outra pauta é projeto de lei da gorjeta, que, como está, aumenta o custo tanto para o empregador quanto para o empregado.


B&R – Qual a estratégia para superar essas questões tributárias e de regulação?


Cristiano Melles – Seria basicamente com aumento de nossa força política. Eu vejo com bons olhos a possibilidade de conseguirmos cumprir uma boa pauta junto ao governo federal. Repito que considero um excelente trabalho esse que o Paulo vem fazendo em Brasília, pois precisamos aumentar nossa representatividade no Congresso. Agora, temos uma frente com senadores, deputados e dois ministros. Isso demonstra a importância não só da Abrasel, mas de todo o setor. A ANR está junto com ele nessa política para o bem de nossos bares, restaurantes e similares.


B&R – O setor vem sofrendo com a alta inflação dos alimentos e outros insumos. Mas o setor, dentro do segmento de serviços, ainda é um dos que mais cresce no Brasil. Como avalia isso?


Cristiano Melles – Parece um paradoxo, mas a explicação é simples. Nosso setor cresce mesmo nos momentos de crise econômica e vai continuar crescendo, porque a refeição fora do lar aumenta independentemente da situação econômica do país. Cada vez mais, as pessoas estão incorporadas ao mercado de trabalho. Hoje, há menos pessoas passando o dia nas proximidades de suas residências. Citando apenas dois fatores, a mulher, por exemplo, está ocupando mais espaço no mercado de trabalho. Também existe a dificuldade de as pessoas voltarem para casa, inclusive, para jantar. Ou seja, a refeição fora do lar é necessária. Além disso, o brasileiro gosta muito de gastronomia. Comer fora está entre suas opções de lazer. Assim, é natural que o setor mantenha o crescimento e almeje expansões. Claro, é preciso crescer com mais saúde. O que estamos vendo é um avanço com um grau elevado de desequilíbrio nas finanças. Muita gente abre, mas pouco depois fecha as portas.


B&R - Com relação à mão de obra. Ela ainda é um gargalo ao crescimento do setor?


Cristiano Melles - Sem dúvidas. Tanto pelo custo, quanto pela falta de treinamento. É difícil hoje conseguir capacitações adequadas para chefes de cozinha, maitres, entre outros profissionais. Prova disso é a grande rotatividade. Muitos empresários investem em treinamento, arcam com esse custo a mais. Porém, acabam perdendo o empregado para outro restaurante, cujo salário é um pouco maior. A ANR, junto com outras entidades de classe, vem estudando projetos para programas profissionalizantes. Estamos tentando também ampliar o espaço do setor em iniciativas do governo federal para aperfeiçoar o atendimento dos serviços em grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. Não preciso dizer que o treinamento da mão de obra é extremamente importante para receber melhor os visitantes.


B&R – Com relação justamente à Copa e às Olimpíadas, há o entendimento geral de que serão propulsoras da economia. Qual seria, na sua opinião, o real impacto desses eventos no setor?


Cristiano Melles – São espetáculos esportivos mundiais, mas que durarão apenas um mês. Francamente, não vão mudar a vida de ninguém. Será, de repente, um faturamento de dezembro que vamos ter em julho. O importante, de fato, é que o empresário aproveite esses eventos para investir em qualidade como um todo. Trabalhar bem. Vender uma boa imagem do Brasil, proporcionando ao turista um bom atendimento e fazendo com que ele coma bem, com pratos compostos de ingredientes selecionados. Garantir que o turista saia do estabelecimento comentando com entusiasmo é uma forma de promover positivamente o Brasil lá fora. Isso é bem mais importante do que o faturamento que teremos naquele pequeno período.


B&R – A cozinha brasileira fará um bom papel?


Cristiano Melles – A gastronomia brasileira há tempos é muito respeitada internacionalmente. Temos grandes restaurantes e excelentes profissionais. Posso citar, por exemplo, o Alex Atala, que conduz talvez o melhor restaurante do mundo. No Brasil, temos vários tipos de gastronomia, fruto de uma cultura muito rica. Você vai a Belém, no Pará, e tem muita coisa boa. Em Minas Gerais, há o tutu, a couve e o torresmo. Na Bahia, o vatapá e por aí vai.
Poderíamos, é verdade, ter mais festivais gastronômicos. Alguns dos que vem sendo organizados já são referências internacionais. Porém, quanto mais, e com mais qualidade, melhor, sobretudo se forem grandiosos, daqueles que servem de chamariz para o turismo internacional, para apresentarmos a nossa cozinha ao talento genial de nossos chefes.


Fonte: Revista Bares & Restaurantes nº 93 - entrevista na íntegra disponível na revista impressa

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